Desapropriei meu coração, temporariamente. Aluguei um
apartamento em Paris. Aceitei a oferta de emprego do jornal local. Dispensei a
mobília. Reduzi a bagagem. Economizei as malas. Cortei pessoas do convívio.
Fretei meus carros. Desativei e-mails antigos. Usei um codinome. Emprestei as emoções.
Comprei novos cílios, pintei os olhos.
Só escrever não me abandona.
Não estarei sozinha porque meu ventre é radar. Não faltará
inspiração. Daqui para lá ou de lá para cá, eu terei a mim. E terei o meu
mundo. Esse mundo que corre dentro e você nem sabe. Cinza e cor- de- rosa, chuva
e sol, algodão e nuvem.
Abracei meus livros, expandi minha coleção musical. Abri os
dedos, deixei partir.
Já posso me despedaçar de novo.