Eu me lembro de você às sextas
feiras, comendo pizza, nugetts ou torta de sardinha. Do seu sorriso Colgate,
das sessões Beatles aos domingos no sofá da nossa antiga casa. Eu me lembro do
seu inglês perfeito e de como ria do meu, uma catástrofe até hoje. Eu me lembro
das suas tiradas espetaculares de história, teologia, conhecimentos gerais. Os
homens mais inteligentes do mundo não vieram de um diploma. E você, era a prova
disso.
Eu me lembro da sua adaptação à
modernidade, avante e surpreendente. Da
sua leitura do New York Times, Wikipédia, do seu recolhimento às festas, ao
barulho, aos sons externos. Dentro
sempre foi mais bonito, não é mesmo?
Eu me lembro das fotos na sua
carteira: Guilherme, Gláucia. Das rabanadas no natal, das camisas listradas e
dos materiais ortopédicos.
As pessoas continuam, você sabe.
Mas tudo era bem melhor com sua presença por aqui.Daniel e Lennon estão aprontando
todas. Lennon tem a sua simpatia, o seu
sorriso. É o que todos dizem. Daniel é uma mistura dos pais, gênio da mãe,
corpo do pai. Sua descendência está garantida. Você seria um avô feliz com
esses netos. Tenho certeza.
Advice for the Young at Heart. Se os
Tears For Fears vierem novamente ao Brasil, vou ao Show por nós dois, prometo.
A gente não se despede de vez.
Não dá. Estamos nos despedindo desde aquele doze de janeiro. Guilherme ainda
dói o mundo e eu, com ele. Desde a sua chegada, ganhei um pai também.
A IASD de Pedras avança. O novo
clima de montanha nos remete as suas chegadas, exageradamente suado, sempre
avesso ao verão e ao sol devastador. Você ficaria lá por horas.
Não falo de um grão de saudade,
mas de uma imensidão de areia e mar, que não cabem aqui. A gente perde um
coração quando perde um pai, uma mãe, um filho. Deus nos dá outro. Se eu
pudesse explicar eu falaria de um coração adotado, transplantado, dessa
sensação dele ter sido arrancado e de não ter encaixado perfeitamente da
segunda vez.
Pai não morre.